As investigações que resultaram na Operação “O Poderoso Chefão” na sexta-feira (25), com foco em desvios de recursos no serviço municipal de transporte escolar, apontam uma diferença de 4 milhões de quilômetros nas planilhas supostamente adulteradas e enviadas à Prefeitura de Uberlândia.
Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o valor é equivalente a aproximadamente 22 mil voltas no entorno da cidade. “Em 2017, os GPSs voltaram a funcionar e houve uma economia de R$ 7 milhões só para os motoristas que levavam as crianças na zona rural, sem contar os ônibus e as vans especiais que rodavam na cidade”, disse o promotor de Justiça Daniel Martinez.
A apuração indica que o mesmo grupo que comanda a Cooperativa dos Transportadores de Passageiros e Cargas (Coopass) criou a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), uma vez que a Coopass já estava sendo punida administrativamente em razão de descumprimento de cláusulas contratuais firmadas com o Município. A ATP foi fundada no final de 2014 com a mesma sede física, contabilidade e cooperados e então passou a prestar o serviço na rede municipal.
A Prefeitura pagava a associação conforme as planilhas de quilometragem percorrida pelos motoristas e informada à ATP. Em 2017, um motorista suspeitou que os dirigentes estavam superfaturando os valores para que recebessem a mais do Poder Público, sendo repassados os valores reais aos associados e o restante desviado entre os dirigentes.
Ele denunciou o esquema à Polícia Civil e ao Ministério Público Estadual (MPE) e chegou a receber ameaças de morte de milicianos para que não prosseguisse com as acusações. A suspeita, de acordo com o Gaeco, é que as ameaças tenham sido feitas a mando do vereador Juliano Modesto, que teria ligação com a organização e está preso pelo crime de obstrução de Justiça, porém em nome de Alexandre.
O motorista foi abordado pela mílicia composta por policiais militares algumas vezes e, em uma delas, no momento que transportava crianças na zona rural da escola para a casa. Outra situação ocorreu próximo à casa da vítima, quando os criminosos colocaram uma tábua com pregos para furar os pneus da van e forçar o motorista a descer do veículo. O homem simulou estar armado e os autores fugiram.
O MPE defendeu que a associação espelho da Coopass e a própria cooperativa eram comandadas pelo vereador Alexandre Nogueira. Elas exploraram o serviço de transporte escolar entre 2007 e 2018 com interrupção apenas em curto período de 2015, quando a AMTGO, também denunciada por esquema semelhante de desvio dos recursos públicos, assumiu.
“A operação O Poderoso Chefão mira essa organização criminosa, cuja liderança está muito evidente e clara que era exercida por um vereador que, inclusive, ficou inconformado com o novo modelo da Prefeitura de contratação individual dos motoristas. Há áudios encaminhados por esse vereador ironizando, de forma bem desrespeitosa, motoristas que estavam procurando a Prefeitura para fazer o cadastro demonstrando que ele quem comandava a cooperativa”, comentou o promotor em entrevista à imprensa.
Lavagem de dinheiro
Além do crime de organização criminosa, os promotores de Justiça investigam lavagem de dinheiro praticada para maquiar a origem dos valores, uma vez que eram desviados por meio de pagamentos a um grupo de empresas constituído pelos próprios integrantes das associações.
Uma das empresas investigadas, por exemplo, recebeu R$ 600 mil sem ter prestado qualquer serviço à ATP no período investigado. Também há notas emitidas para pelo menos outras três empresas do grupo econômico para prestação de serviços de transporte, seguro, funilaria, entre outros. O ex-controlador geral da Câmara, que também foi preso, era responsável pela parte financeira da organização.
Contratação irregular
Também é apurada a contratação irregular do escritório Ribeiro Silva Advogados Associados durante a CPI das Vans, instaurada pela Câmara de Uberlândia para apurar as irregularidades envolvendo a AMTGO em 2015.
O Gaeco informou que foram pagos R$ 170 mil sendo que havia procuradores na Câmara à disposição para os trabalhos. Além disso, na justificativa para a contratação indicada pelo vereador Wilson Pinheiro estava a necessidade de ser feita uma perícia grafotécnica dos documentos. O Ministério Público pontuou, por sua vez, que esse tipo de estudo poderia ser feito pela Polícia Civil ou pela Polícia Federal, que contam com agentes capacitados para tal trabalho.
A CPI foi presidida pelo vereador Pinheiro na época em que Nogueira era presidente do Legislativo. Os dois eram clientes do escritório e também teriam se articulado, a partir da instauração da CPI, para pressionar o Município a retomar o contrato com a ATP. Além dos dois vereadores, que foram presos preventivamente nesta sexta, o vereador Juliano Modesto teve outro mandado de prisão em virtude do episódio para a contratação de milícia e outros indícios de ligação com os dirigentes da cooperativa. Nogueira, por sua vez, também teve um segundo mandado de prisão expedido em virtude do crime de obstrução de justiça.
Wilson teve a prisão preventiva em regime fechado convertida para prisão domiciliar ainda nesta sexta-feira. O pedido da defesa foi deferido pela Justiça diante ao quadro de saúde do parlamentar, que se recupera de uma cirurgia.
A reportagem não teve retorno do advogado Rodrigo Ribeiro para comentar o assunto e esclarecer sobre a defesa dos clientes até o fechamento da edição.
Servidores
Questionado pelo Diário sobre a eventual participação de servidores públicos no esquema fraudulento, o promotor esclareceu que as investigações serão aprofundadas neste sentido.
“Parece bem óbvio para nós que há participação de algum funcionário público. Porque no final de 2015 e começo de 2016 foram pagas quantias muito maiores ao transporte escolar do que as quantias que eram regularmente pagas. Nós temos que aprofundar as investigações sobre as pessoas que tinham o dever de fiscalizar os contratos e pagamentos”, destacou Daniel.
O promotor de Justiça Adriano Bozola reforçou que a apreensão de documentos em um imóvel no bairro Roosevelt, que foram retirados da sede da Coopass após a Operação Torre de Babel, vão ajudar nesta apuração. Ele também comentou sobre o mesmo grupo econômico continuar em atividade e prestando serviço à Prefeitura de Araguari com valores expressivos.
“Em 2018, em Araguari, tinha uma outra empresa que não era desse grupo econômico que cobrava por km rodado R$ 1,85. Com a inserção desse grupo investigado na operação, o km rodado em Araguari estava chegando a R$ 4. O curioso é que em Uberlândia o valor praticado é R$ 1,79”, finalizou Adriano.
Matéria publicada no site Diário de Uberlândia na data 26/10/2019.